segunda-feira, janeiro 28

Ressonâncias

Não escolha a fonte, não vislumbre frases, escreva o que te vem, como te vêem, assim aos descompassos, fale. Indague um trago mais afoito, alguma imagem mais voraz, uma taça quebrada, algum amor mais torpe, beba. Queira algum presságio, caso ventar, feche os olhos. Se não ventar, invente alguma sensação calidamente fria, feito brisa marítima. Acalente num telefonema algum amigo distante, diga o que quiser dizer, mas com o coração aberto, acessível ao mais sutil afago, acaricie. Logo caminhe pela rua mais inóspita, procure cores, encontre vãos, bata à porta e diga. Entre tantas palavras não me encontro em qualquer sílaba, nenhuma pausa, qualquer sentido que me invada. Olho o mar somente, o mar que guardo cá dentro, o mar distante que em mim habita, feito um órgão pulsante e vital, o mar e as oscilações, e a sua mais sublime força, e o seu ressoar mais lépido. O mar é inteiro e basta-se. É azul quando assim desejar, e verde se quiser em si florestas d’água. Entendem? Não é floresta o que desejo escrever, mas algo aquém do desejo humano, acima dos pormenores que espreitamos sentados na areia, vislumbrando um mar de pensamentos variados e tempestuosos. Seria a brisa o solfejo do mar? Um sussurro mais leve? Um quê de tranqüilidade e satisfação? São tantos corpos, tantas bocas, frases, cheiros e pegadas, o mar é vasto e num instante plenamente habitou-me, ao lado alguém sem nome fuma e viaja solitário, parece estar triste, logo atrás uma mulher morena anota idéias num papel surrado, soa-me ter lacrimejado por uns vãos minutos, ao longe um casal sorridente articula inquietudes, mais distante ainda uma garota pálida apruma o seu vestido bege de leves tecidos, enquanto tira as sandálias e derrama os seus frágeis pés na suave areia, hipnotiza-me, parece um quadro, uma aquarela límpida, perco-me ressabiado entre pensamentos e indagações sobre a garota pálida, provavelmente pensa em alguém que sou eu, leva as mãos ao rosto, claramente deseja um instante de total introspecção, e quem sabe quer apenas um dia corriqueiro, o mais normal dos dias, não pretende-se inteira naquela tarde meio cinza, quer apenas um momento seu, criando em sua coletiva solidão um reconhecimento nosso, meu e dela, não entendo, o telefone toca, o táxi chega, me espera, entro sem saber o que dizer, não digo, ainda avisto o mar pelas janelas embaçadas, pra onde vai, senhor?não ouço.silêncio insípido.atordôo-me.Na terceira tentativa escuto um timbre impaciente, Gávea, por favor, desculpe, Gávea. Não diz mais nada, me calo e grito incessantemente seu nome por dentro, como quem pede o que não há nem houve em momento algum, talvez delírio, talvez. Jamais me escutaria, o carro movimenta-se, não compreendo, pelos vidros do ligeiro automóvel, pelas lentes dos meus óculos-escuros, avisto em mim, cá dentro, a pálida garota e os seus pequenos pés tão sensíveis e tão brancos, ainda vejo-me ao mar, pleno e cada vez mais distante, o táxi acelera num impulso único, mais distante, e mais e mais...

terça-feira, janeiro 22

Pré-história em pós-modernidade

Quando a saudade é um sentir distante, é lá. E faltam-me imagens, gestos afoitos, beijos inesperados, um algo previsível, contato com hora marcada, canções ensaiadas em programações de rádios madrugais, o drinque era sempre o mesmo, um baseado, às vezes, um trecho de qualquer autor contemporâneo, ora Fernanda Young, ora Martha Medeiros, eu ria, não dos trechos, mas de ti, dando a importância suprema para frases reescritas, editadas e feitas exclusivamente para emocionar doces meninas em momentos cruciais, calculados entre pausas, vírgulas estudadíssimas. Gosto das horas vagas, em mesas simples de bares quase-cheios-quase-vazios, da espera boa, dos pensamentos desconexos, e era um sorriso seu que logo alarmava-me a sua presença, chegando sempre quinze minutos antes, por prudência e uma certa educação irritante, coisa de gente que estudou em Londres, o que é o seu caso. Prefiro Nova Iorque pelo o que ela tem de despretensão e liberdade, odeio reis e rainhas e gente de postura irretocável, olhares minuciosos entre um trago e outro, me desculpo culpando o trânsito, fingindo irritação, e logo me aproximo de você, bem de pertinho. Alguém passou vendendo flores, você falara do aroma das rosas e eu nunca soube o que dizer depois, assim como do paladar de tudo, e dos sentidos mais abstratos, mulher dadaísta com fisionomias de impressionismo, eu via Tzara em cada gesto mais voraz, e você articulava sobre Pierre Auguste Renoir e eu bocejava e perguntava sobre o trabalho, falava das minhas destemperanças e xingava uma meia-dúzia de pessoas, você jamais se incomodava, mantinha-se sempre sereníssima, mas no fundo, bem sei, achava-me um anarquistazinho bom de cama, o que, para uma quase-londrina-quase-dadaísta-claramente-impressionista soava de bom grado, um vinho de boa qualidade, uns leves lençóis de seda putíssima, ops, puríssima, eu ria, pedia a conta e partíamos sem rumo enquanto decidíamos em que apartamento continuaríamos nossos pormenores, excitados com a aventura dúbia, pelo que tínhamos de extremidades, pela não linearidade dos casos, e das rotas, e dos ciclos. Eu queria Buarque, você ouvia Nina Simone, um desconcerto de toques, e peles, suores, sussurros, meia-entregas. 8 e 15 em ponto, você se foi e restou-me, claro, os aromas, algum paladar de sua boca, alguma pétala esquecida por entre um livro da Young e você...dadaísta, talvez mal lembra o meu nome e neste momento, meio a redação turbulenta de um jornal classe média, articula uma crônica quase-genial procurando um sentido pra ontem que enfeitará ironicamente uma página inteira do jornal da sexta, mudando os nomes, os perfumes e as flores, talvez orquídeas, quem sabe Kafka? O drinque muda, o bar também. Londres jamais, Leblon ou Botafogo, ainda há de pensar. Eu tomo um banho e corro pro trabalho, trânsito louco, chego atrasado, a secretária sorri ensaiada como em todos os dias, me entrega o jornal, eu dispenso. Abro a agenda, a peço que mande entrar o primeiro cliente, mais um dia de divã e devaneios, e banhos frios e ex-maridos, e paixões tórridas e vãs insanidades, escuto sonolento enquanto olho absurdado o relógio à frente, é hoje...às 8 e 15, sem falta, lá!
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Leitores queridos, este espaço fez 1 ano no último dia 20. Não sou muito atento a datas, mas sinto claramente, relendo as minhas publicações, uma intensa maturidade em meus escritos e vivencias poéticas. Agradeço cada carinho, cada mensagem bonita, cada e-mail recebido, cada scrap carinhoso, e a todos que se utilizam de meus devaneios para emoldurarem seus perfis no orkut e seus momentos mais reluzentes. É sempre muito importante para mim saber que as minhas palavras tomam rumos próprios e acariciam rostos, sorrisos e corações neste tempo de superficialidades em que vivemos. Muita inspiração e luz! Beijos e abraços.