domingo, janeiro 28

Sereia Urbana

Gritos num dilúvio
de suores, de suores
murmúrios, os melhores
desde sua adolescência

Era morena
seus seios cabiam nas mãos
pequenos, redondos
profundos, os melhores
repletos de malemolências

Dançava pra ele
despia-se feito uma sereia urbana
falava de conhaque e de umbanda
pedia grana, queria jóias
Jóia rara a morena-sereia

Se encontravam na Lapa
noites quentes, noites quentes
num quarto abafado, no fundo de um beco
amavam-se com fome de amor
ele mais que ela, mas isso já não importava
ele a amava

Conforme passaram-se os dias
monotonia tomou conta da sereia
[urbana
já não queria carro, já não queria grana
pensava em samba, em boêmia
ele a queria, ela se foi

Nas noites insanas
a procurava pelos bondes
pelos bares, pelos becos
em todos os lugares
Morena-Sereia de seios redondos
partiu, não deixou carta, nem beijos, nem planos

Enlouqueceu de amor por ela
amava a sereia com todo o clamor
nas pedras do Arpoador, jogou-se no mar
e quis nadar com a sereia
brincadeira louca
morte mais insana
a sereia sambava e sorria no asfalto
era uma sereia-urbana

sábado, janeiro 20

reflexões em dó maior

( ... )
Mas antes de sair por esta porta, como quem vai em busca dos sonhos perdidos ou do paraíso encantado dos romances ingleses, me olhe nos olhos por alguns instantes, perceba o meu corpo ainda em total desalinho causado pela sua falta, me olhe com comoção devida, não banalize um apaixonado, mescle uma frieza e um calor necessários para tal olhar, há de se ter um certo equilíbrio, até porque olhares falam, e tudo o que você precisa é ficar em silêncio neste instante. Tenha bom-senso, ao menos por essa vez.Deixe-me te olhar atentamente por um tempo, perceber o que há em você de tão arrebatador que me fez querer viver a sua vida, me fez querer esquecer os meus passos e trilhar os caminhos que eram só seus.Sonhar os seus sonhos, doer em suas dores.Não precisa dizer nada, volto a dizer. Verdadeiramente não faço questão alguma de escutar qualquer pensamento seu.Deixe que este silêncio, este crucial silêncio, que pairou sob todo o tempo em que estivemos juntos, se instale neste momento.É um momento importante, o tão esperado momento, o momento da vã despedida, você sonhou com isso, tenho certeza.Deve ter ensaiado diálogos em frente ao espelho, testado esta ou aquela fisionomia, você gosta dessas coisas, sempre gostou.E não vamos terminar com berros, não vamos terminar com taças lançadas contra a parede, com culpas, com ódios vãos.Não, morre-se o amor mas fica-se a elegância, que neste momento não serve pra porra nenhuma, mas foda-se, optei por ser elegante nesta tortuosa despedida, não tentarei te impedir, não farei cena, me comportarei feito um Lord.Eu só posso terminar este emaranhado de sensações tempestuosas com este silêncio que se instalou no momento crucial, o da triste, solitária e apática despedida.Um silêncio sufocante, assustador, delirante.Um silêncio tão terrivelmente louco, que me pôs em choque, anestesiado, e você me olhando sem saber se devia olhar pra mim, ou pros lados, ou fechar os olhos; até neste momento você foi um babaca, juro...tive vontade de rir da sua cara.Eu não poderia esperar nada de um amor tão difuso, ambíguo, imaturo e canalha.Seu sorriso agora só me traz tristeza.Tuas palavras doces amargaram o meu dia.Termino esta história com o mesmo silêncio que pairou sob a despedida, e antes ainda, sob todo o tempo em que ficamos juntos.Tempo de silêncios, de palavras vazias, de discursos frígidos.Paira por aqui este infindável silêncio, silêncio esse, que deve ter sido o discurso mais romântico, e verdadeiro, que você me ofereceu.