sexta-feira, outubro 26

a partir da partida

é desconcertante rever-me
e não ver-me aos meus passos
as minhas falas meus gestos
meus olhares sem foco

angustiante me olhar
e olhar outro ser
sem ser eu sem ser quem
nunca vi nem nem sei
quem se foi
quem se fui
um adeus que alivia
dor que dói já não sendo

demasiado tato falta ar
o ar sufoca-me
já não sou ao seu lado
já não sei quem tu és...
nunca soube o seu nome
não saber impulsiona-me
a partir da partida
sem início sem enredo
onze horas onze e um
conto o tempo e tão somente
só mente...
finda
finda

desintegro-me a noite
breu de palidez
amanhecido
sem boêmia sem poesia
busquei querer ser plácido
fuga repentina da profundidade inacabada
não houve busca não houve entrega
entoei ressabido um "de nada" abafado
só silêncio e frio e indigestas ressonâncias...

quinta-feira, outubro 18

Guardanapo

Quiçá uma piscina de versos, nado em palavras, mergulho límpido...
Mas é que às vezes os pântanos me encantam de medo e de breu, alguém me disse - talvez eu mesmo - que alguns tesouros só reluzem no breu pleno, eu apaguei a luz e escutei Madeleine sussurrando "Diz-se que além dos mares / Ali, sob o céu claro / Existe uma cidade / A estada é encantada /E sob as grandes árvores escuras / A cada noite /Pra lá se vão todas as minhas esperanças...", foi então que eu descobri que o meu breu também pode ser azul, quando eu assim desejar.


Mergulhe.



Beijos,
um blues e um dry martini...
Eu sou aquele, lá dentro.

terça-feira, outubro 9

Caminhador

Habito, sobretudo, em papéis.Às vezes, de súbito, desprendo-me de folhas e vagueio por aí, descompassado, escrevendo em postes, em luzes, em carros com seus autofalantes, nas calçadas sujas, na mulher rude fumando o seu Marlboro, no cão que late ao léu, sem dono; no silêncio, no escuro da noite, na cintilância dos breus.Escrevo em ruas, escrevo em passos.Caminha dor...
Mas logo volto aos papéis, desarrumados, repletos de auroras, e por ali adormeço, inteiro e lépido. É que sempre vivi amor em palavras, me apaixonei por versos, por metáforas, citações, poesias.
É que sempre lidei melhor com palavras, com a naturalidade de quem molda um artefato pleno, cristalino, minucioso; quanto aos humanos, encontram-se normais em demasia - buscando água salgada em cachoeiras, almejando outros planetas, quiçá todo o universo e esquecendo, por completo, que há um mundo, cá dentro, esquecido, ainda não desbravado em sua verdadeira infinitude e importância - , tornam-se, portanto, tão mais complexos, tão mais difusos, tão mais distantes do que há de próximo em cada Ser, estar Sendo, Viver...
Eu sou dentro.

quinta-feira, outubro 4

Beleza triste

Você me disse que possuo uma beleza triste
e se sorrio há nuances de amargura em meus lábios
você beijou a minha boca rente às lágrimas
e provou o doce mais sublime gota a gota

E ainda disse que meus olhos são nostálgicos
e que há vislumbres de um céu cinza em meu azul
logo em seguida falou da cor de minha blusa
mas eu só uso preto...

Se eu fosse você enxergava a tristeza que carrega
se eu fosse você percebia o quanto seus olhos são densos
se eu fosse você despia-me destas pétreas armaduras
se eu fosse você compreenderia que somos os mesmos
que no fundo ainda sonham auroras e minúcias vãs...

A gente pode ser feliz da maneira que nos cabe
e nós podemos ser livres
e nós podemos ser leves
só me leve pra olhar o mar revolto
só me leve pra olhar o mar revolto
só me leve pra olhar o meu céu cinza
bem dentro dos seus olhos densos...