domingo, maio 13

Pra Juliana cantar no carnaval

e não me importa mais agora
eu já não penso tanto assim também já passou da hora
para falar sobre o tempo das flores há de se ter ao menos minúcias de primavera
mas é inverno
mas é inverno
visto o meu capuz londrino e ando pelos caminhos mais inóspitos
que é onde você sempre está com a cabeça na lua
não vai à praia, não toma chuva, não dança nua durante o banho
não lê revistas, não fala gírias, não canta Chico e ainda me chama de estranho
você é música que não se toca
e eu me recuso a cantar para o mundo que esta sua estranheza arrebata-me inteiro
é que ninguém vai me entender mesmo...
é que ninguém vai me entender mesmo...
e não me importa mais agora
eu já não penso tanto assim também já passou da hora
para falar sobre o tempo das flores há de se ter ao menos minúcias de primavera
mas é inverno
mas é inverno
repousaremos nossos pensamentos em cálidas paisagens
enquanto sonhamos acordados embaixo deste cobertor de lã

segunda-feira, maio 7

O mar, o amar e o amargo

Ela parou pra ver o mar, eles andavam em silêncio, mal percebeu que os passos dela já não o acompanhavam, manhã nublada, praia vazia, ele a olhava de longe, vislumbrando as águas, tentando encontrar-se nas oscilações da vida, no rumo brusco em que o amor tomou, estava linda com aquela blusa larga e os cabelos assim desleixados, não entendiam aquele vão abissal que pairava entre eles, um vão que naquele momento mostrou-se palpável, visto plenamente nesta distância de 15 ou 20 passos que os separavam, ela parada frente às ondas, ele pensando no amor que sentia; uma ponte de sentimentos desconexos, as ondas batendo nas pedras, nuances de sonhos perdidos em passos deixados na areia, cada passo contando uma história, mas os caminhos nunca se encontravam, alguns passos eram mais contidos, alguns por demais ligeiros, mais leves, mais densos, não havia sintonia na história ali contada entre rastros e ondas. Distanciavam-se por puro instinto, não porque queriam, o destino traçara um outro rumo para ambos, a energia que pairara era disforme, sentidos tão presentes em cada alma que era dolorido até olhar nos olhos, triste demais ver um amor se desfazendo assim aos poucos, desmoronando os castelos tão sólidos, desviando a brisa suave que entrava pela fresta entreaberta, desconstruindo minúcias, arruinando sutilezas; a dor de quem perde um amor tão sublime provavelmente é a dor de quem perde um membro vital e a partir de então tem de aprender a viver de outra forma, readaptar-se à vida com uma cicatriz profunda vista nos olhos marejados, lidar com o "bom dia" que calou-se nas manhãs dói, não mais ligar e perguntar bobagens dói, escutar uma canção antiga que remete-se ao amor vivido dói, dormir sozinho e deixar a tv ligada para certificar-se de que ainda há vida ao redor dói muito; ambos doíam inteiramente naquele silêncio latente que os tomou, mal sentiam os próprios pés, mal sabiam-se quietos porque os pensamentos eram muitos, porque haviam lembranças tão vivas, porque palavras não-ditas ainda ressoavam em seus ouvidos; continuaram distantes, ela mais à frente, encontrando no mar os sentidos que já não tinha, ele a olhava com olhos pequeninos, de quem quer acalentar mas já não pode, deixou-se fluir junto ao barulho das ondas, se entregou à dor, até esquecer-se naquele instante, enquanto ela fitava o mar com o seu olhar perdido e choroso, ambos percebendo meticulosamente as sensações que os tomavam, ali ficaram por minutos, ou horas, este conceito de tempo é muito relativo quando se está prestes a perder o grande amor.

Entenderam que o amor terminaria ali, olharam a ponte abissal que os separavam, compreenderam que não havia mais motivo para atravessá-la, que lhes restavam a dor e as sensações que pairavam no tempo, sentiram o amor se esvaindo, e isso é como passar uma faca bem afiada em suas almas já tão desgastadas, as mãos trêmulas, um vazio amargando a boca, o amor virando areia, o amor caminhando com seus próprios pés, tomando cada vez mais distância, até desaparecer por entre as dunas.


Ele não percebeu quando ela se foi, ela não olhou pra trás quando decidiu ir embora; na verdade, ninguém sabe ao certo quem partiu primeiro.