segunda-feira, maio 7

O mar, o amar e o amargo

Ela parou pra ver o mar, eles andavam em silêncio, mal percebeu que os passos dela já não o acompanhavam, manhã nublada, praia vazia, ele a olhava de longe, vislumbrando as águas, tentando encontrar-se nas oscilações da vida, no rumo brusco em que o amor tomou, estava linda com aquela blusa larga e os cabelos assim desleixados, não entendiam aquele vão abissal que pairava entre eles, um vão que naquele momento mostrou-se palpável, visto plenamente nesta distância de 15 ou 20 passos que os separavam, ela parada frente às ondas, ele pensando no amor que sentia; uma ponte de sentimentos desconexos, as ondas batendo nas pedras, nuances de sonhos perdidos em passos deixados na areia, cada passo contando uma história, mas os caminhos nunca se encontravam, alguns passos eram mais contidos, alguns por demais ligeiros, mais leves, mais densos, não havia sintonia na história ali contada entre rastros e ondas. Distanciavam-se por puro instinto, não porque queriam, o destino traçara um outro rumo para ambos, a energia que pairara era disforme, sentidos tão presentes em cada alma que era dolorido até olhar nos olhos, triste demais ver um amor se desfazendo assim aos poucos, desmoronando os castelos tão sólidos, desviando a brisa suave que entrava pela fresta entreaberta, desconstruindo minúcias, arruinando sutilezas; a dor de quem perde um amor tão sublime provavelmente é a dor de quem perde um membro vital e a partir de então tem de aprender a viver de outra forma, readaptar-se à vida com uma cicatriz profunda vista nos olhos marejados, lidar com o "bom dia" que calou-se nas manhãs dói, não mais ligar e perguntar bobagens dói, escutar uma canção antiga que remete-se ao amor vivido dói, dormir sozinho e deixar a tv ligada para certificar-se de que ainda há vida ao redor dói muito; ambos doíam inteiramente naquele silêncio latente que os tomou, mal sentiam os próprios pés, mal sabiam-se quietos porque os pensamentos eram muitos, porque haviam lembranças tão vivas, porque palavras não-ditas ainda ressoavam em seus ouvidos; continuaram distantes, ela mais à frente, encontrando no mar os sentidos que já não tinha, ele a olhava com olhos pequeninos, de quem quer acalentar mas já não pode, deixou-se fluir junto ao barulho das ondas, se entregou à dor, até esquecer-se naquele instante, enquanto ela fitava o mar com o seu olhar perdido e choroso, ambos percebendo meticulosamente as sensações que os tomavam, ali ficaram por minutos, ou horas, este conceito de tempo é muito relativo quando se está prestes a perder o grande amor.

Entenderam que o amor terminaria ali, olharam a ponte abissal que os separavam, compreenderam que não havia mais motivo para atravessá-la, que lhes restavam a dor e as sensações que pairavam no tempo, sentiram o amor se esvaindo, e isso é como passar uma faca bem afiada em suas almas já tão desgastadas, as mãos trêmulas, um vazio amargando a boca, o amor virando areia, o amor caminhando com seus próprios pés, tomando cada vez mais distância, até desaparecer por entre as dunas.


Ele não percebeu quando ela se foi, ela não olhou pra trás quando decidiu ir embora; na verdade, ninguém sabe ao certo quem partiu primeiro.

8 comentários:

Angelo disse...

Você parece que anda lendo os meus pensamentos e a minha vida, meu Kid Prodígio. Isso seria um enorme incômodo para mim; só não é porque é você quem está fazendo isso, Struchel.

Acho que me entendeu.

Belíssimo texto, você só faz melhorar e melhorar. Quero ver onde vai parar.

Abraço de alguém que cada vez mais gosta de você.

Marla de Queiroz disse...

Dentro da aurora vaga,
na hora exata da sonolência do sol
(naquele momento em que o olhar tranqüilo do ócio
amolece as manhãs como se fosse sempre outono)
desatam as mãos e desviam rapidamente o olhar em ruínas,
num rompante de rubricar com passos velozes
um fim.

No rodapé da página virada,
um poema sangra lentamente...
*
*
*
Lindo, lindo demais teu texto...
Me doeu até os ossos.
É porque têm tristezas que a poesia enfeita.
Um beijo tão bom em vc, seu bonito!

Marla de Queiroz disse...

E vc, é prodígio mesmo...
Tua sensibilidade é um fato,
mas o que vc faz com ela
usando palavras que não são
sempre generosas, é um
presente pra quem vem aqui: visualizar e sentir.

Eu gosto tanto de tudo.

Cecília Braga disse...

Entre tantos passos, houve a ousadia de quem quer chegar? Já não sei. Se o outro não é lugar de encontro, é parada breve de quem mal sabe ainda se quer chegar e onde?
Já não sei...Texto teu de palavras vívidas remexendo aqui dentro do peito.
Quem jamais quis chegar cada passo não é prenúncio de partida?
Já não sei...
=**

Anônimo disse...

Não é preciso nem dizer..
Sentir já o bastante.
Você é fantástico!

Beijos com carinho, lu.

diovvani mendonça disse...

Gostaria de ter fôlego para desenvolver uma idéia de texto, assim como você. Muito bom mesmo! É, às vezes o "conceito de tempo é muito relativo", principalmente quando estamos à volta com palavras e sentimentos. AbraçoDasMinas.

Lulys disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Lulys disse...

Como vc pode falar da minha vida assim tao abertamente sem que eu tenha te contato absolutamente nada????Vivi cada dorzinha dessa,em cada cantinho do meu corpo.Hoje felizmente comeco a me curar....mas esse texto me levou ha um lugar que espero esquecer.Vc e bom demais,sempre.
Bjos
Luciana Castilho