Quando a saudade é um sentir distante, é lá. E faltam-me imagens, gestos afoitos, beijos inesperados, um algo previsível, contato com hora marcada, canções ensaiadas em programações de rádios madrugais, o drinque era sempre o mesmo, um baseado, às vezes, um trecho de qualquer autor contemporâneo, ora Fernanda Young, ora Martha Medeiros, eu ria, não dos trechos, mas de ti, dando a importância suprema para frases reescritas, editadas e feitas exclusivamente para emocionar doces meninas em momentos cruciais, calculados entre pausas, vírgulas estudadíssimas. Gosto das horas vagas, em mesas simples de bares quase-cheios-quase-vazios, da espera boa, dos pensamentos desconexos, e era um sorriso seu que logo alarmava-me a sua presença, chegando sempre quinze minutos antes, por prudência e uma certa educação irritante, coisa de gente que estudou em Londres, o que é o seu caso. Prefiro Nova Iorque pelo o que ela tem de despretensão e liberdade, odeio reis e rainhas e gente de postura irretocável, olhares minuciosos entre um trago e outro, me desculpo culpando o trânsito, fingindo irritação, e logo me aproximo de você, bem de pertinho. Alguém passou vendendo flores, você falara do aroma das rosas e eu nunca soube o que dizer depois, assim como do paladar de tudo, e dos sentidos mais abstratos, mulher dadaísta com fisionomias de impressionismo, eu via Tzara em cada gesto mais voraz, e você articulava sobre Pierre Auguste Renoir e eu bocejava e perguntava sobre o trabalho, falava das minhas destemperanças e xingava uma meia-dúzia de pessoas, você jamais se incomodava, mantinha-se sempre sereníssima, mas no fundo, bem sei, achava-me um anarquistazinho bom de cama, o que, para uma quase-londrina-quase-dadaísta-claramente-impressionista soava de bom grado, um vinho de boa qualidade, uns leves lençóis de seda putíssima, ops, puríssima, eu ria, pedia a conta e partíamos sem rumo enquanto decidíamos em que apartamento continuaríamos nossos pormenores, excitados com a aventura dúbia, pelo que tínhamos de extremidades, pela não linearidade dos casos, e das rotas, e dos ciclos. Eu queria Buarque, você ouvia Nina Simone, um desconcerto de toques, e peles, suores, sussurros, meia-entregas. 8 e 15 em ponto, você se foi e restou-me, claro, os aromas, algum paladar de sua boca, alguma pétala esquecida por entre um livro da Young e você...dadaísta, talvez mal lembra o meu nome e neste momento, meio a redação turbulenta de um jornal classe média, articula uma crônica quase-genial procurando um sentido pra ontem que enfeitará ironicamente uma página inteira do jornal da sexta, mudando os nomes, os perfumes e as flores, talvez orquídeas, quem sabe Kafka? O drinque muda, o bar também. Londres jamais, Leblon ou Botafogo, ainda há de pensar. Eu tomo um banho e corro pro trabalho, trânsito louco, chego atrasado, a secretária sorri ensaiada como em todos os dias, me entrega o jornal, eu dispenso. Abro a agenda, a peço que mande entrar o primeiro cliente, mais um dia de divã e devaneios, e banhos frios e ex-maridos, e paixões tórridas e vãs insanidades, escuto sonolento enquanto olho absurdado o relógio à frente, é hoje...às 8 e 15, sem falta, lá!
.
.
.
Leitores queridos, este espaço fez 1 ano no último dia 20. Não sou muito atento a datas, mas sinto claramente, relendo as minhas publicações, uma intensa maturidade em meus escritos e vivencias poéticas. Agradeço cada carinho, cada mensagem bonita, cada e-mail recebido, cada scrap carinhoso, e a todos que se utilizam de meus devaneios para emoldurarem seus perfis no orkut e seus momentos mais reluzentes. É sempre muito importante para mim saber que as minhas palavras tomam rumos próprios e acariciam rostos, sorrisos e corações neste tempo de superficialidades em que vivemos. Muita inspiração e luz! Beijos e abraços.