domingo, dezembro 7

Quem delira sem ter febre

Quando liguei, mal sabia o número. Fiz questão de decorar a esmo, se meu erro era o impulso, que me fosse escuro, quase claro, mal me via. Desejei você e quis sair sozinho, nunca te digo o que te move, nos movemos entre trânsitos; o nome das ruas são distintos, nada me dizem, Diga. Para onde? Fecho os olhos, quase caio num rochedo mas não sangro. Sinto falta, fome, despudor e medo. Só o vão despe o vazio em aquarelas. Você me entende? Falo sozinho. Quase te beijo. Olho suas mãos que apontam lumes. Me perco e me encontro, quase durmo. Estou sem sono. Você me incita os nervos, canto calmo e grito. Sua canção-segredo. Todos os abismos, todas as toadas. Não faz sentido, por isso escrevo. Para entender depois, talvez. Não quero mais doer em ti. Sarar suas feridas, assoprar com sutileza cada corte. Instante muda. Tudo flui. você e eu e aquela gente estranha. Nos olham esquivos, e pedem cigarros. Você me diz a hora? Eu quero estar comigo. O meu amor é cíclico, o seu amor desaba num azul mais puro. Não há amor, bem sei. Você não sabe quase nada e ri. Pede um cigarro, me olha estranho. Qual o seu nome? E segue andando como quem devora seus próprios instintos. Não mais. Tantas vezes dito. Vê se some somente mas volte pra contar-me estrelas. Ainda tenho um tempo. Ainda estou sem sono. Ainda não entendo. Apenas sinto e tão intensamente que lhe deixo ir, e assim deixando, sem consensos, me permito ir também. Tudo vazio e vão e frio e lua cheia de destinos. A sua noite triste insiste em alegrar meus dias cinzas.

segunda-feira, novembro 17

Enquanto isso

O mar, inteiro.Tampouco ando, nem tento.Paro e sinto, rio.O dia é cinza e gosto, também faz frio agora.E docemente as ondas, e levemente as curvas e toda energia. Faz tempo não te escrevo, Lúcia. Me falta um tanto. O livro, a cama, o cheiro, a xícara. Me basta o céu às vezes, descortinando os dias. Eu tenho uns medos meus, alguma aresta a ser podada, um susto. Mas nada de tempestades. Canalizando naturezas, e revelando lumes. Um tempo adentro, sem demoras porque não há esperas. Apenas ciclos, ventos, climas, brilhos. E ainda resta o mar.

quinta-feira, julho 3

Inst-antes.

Tento palavras, você me desconcerta. Almejo quem sabe um modo. Um jeito de livrar-me do ardor insípido ou te extirpar de mim. Não há qualquer vestígio de seus olhos mansos ou dos seus sutis barulhos enquanto passa algum café ou liga o secador. Também não há beleza, tudo tão opaco. Luzes que entram pelas frestas alardeando a fumaça dos cigarros, aqui apenas alguns quadros, o rádio ligado pra quebrar o eco do silêncio atordoante, estas fotos sobre a mesa envoltas em sorrisos ensaiados - como as detesto! - e uns papéis recém escritos pra ninguém, tal como este que agora esboço. Agora É o meu instante, o que escrevo é hoje, e pulsa intensa a madrugada em que passo sem sono. Não mais relutar. Não mais vislumbrar. Poetizar o breu é mergulhar num vão profundo de tantas feridas. Mas é preciso. É necessário quebrar pedras com as mãos para ver brotar depois, quem sabe, alguma flor de lótus entre os tantos destroços. Não mais relutar. Não mais vislumbrar. Ando fazendo chuva, e germinando com cautela cada sutileza destes desapontamentos. Mais um cigarro e um papel deixado a esmo. Deve ser tarde, deve ser cedo. O nosso encontro então marcado, no ponteiro às noves fora zero.

quarta-feira, março 26

Berê

O quarto é o mesmo, e amanso meus versos. Não escrevo carta alguma, tenho estado ausente ao mundo. Fumando um tanto, tragando em mim sensações de outrora. Não quero nenhuma sina, almejo um tempo de vagas idéias. Nenhum livro. Talvez um filme. Sempre canções. E lembranças, tantas delas em você. Você? Quem é? O telefone mudo. Não quero imaginar coisa alguma. Deixo um bilhete colado à geladeira, Berê chegará em instantes. "O mar me avistou pela janela, ando escrevendo versos em rastros de areia. Beijos. C!". Berê nunca entende as minhas linhas e escreve atrás das folhas a pequena lista de ingredientes que nos resta para o mês, tenho escrito exclusivamente pra Berê: palavras nulas, histórias vãs. Berê talvez nunca escutou um EU TE AMO debaixo de uma tempestade intensa, nem nunca recitou Drummond bem baixinho numa noite qualquer de uma quinta enfadonha. Berê fala bem manso e usa um lenço branco sobre os cabelos crespos. Não releio o bilhete, desligo o som e pego ligeiro alguma blusa deixada a esmo pela cama. Berê deve rir deveras de mim, Berê é feliz que só ela. O amor quando desfeito é um estrondoso caos em formato de aquarela lúdica, e Berê - minha preta querida! - mal sabe quem foi William Blake.

segunda-feira, março 10

Retórica

E resta em mim uma aventura dúbia de rumar algum caminho, qualquer que seja, que seja meu. Uma esperança insípida que quer colorir-se, invento um traço, transformo imagens em opacos lumes. Penso que estou tentando disfarçar o fato. Paro um pouco. Repenso em tudo o que está por trás do nada que habito agora, esta sala vazia, estes livros antigos. Penso em algo que vi dia desses, num sorriso desconhecido numa sessão de cinema, não...não é de amor que escrevo, é do sorriso largo e vivo, tentei buscar o rosto do rapaz e me perdi em tantos corpos, cenas ensaiadas de um roteiro vago. No final de tudo, olhando os letreiros passando, gostei mais do sorriso. Vivi mais o sorriso, estranho, esquivo, livre. A história do sorriso inesperado, alarmando um frenesi de batimentos em meu peito. Gosto de cinema. Da fila do cinema, das escadas rolantes, dos cartazes enormes, dos atores bonitos, das atrizes peitudas; gosto mais dos diálogos, do prenuncio de sentidos meus. Uma história emoldurando tantas outras, olhos atentos à imagem que nos conta o que a pessoa rude ao lado já viveu, ou viverá. Aquele sorriso me contou um conto, só pensava realmente na retórica de um trejeito sutil, quase escuro. Quis um instante de singeleza, conversar um pouco, falar de minhas sensações. Ando tão sozinho. Busquei no celular algum número latente, e emburrei meu rosto pálido ao me deparar com tantos dois e três e noves e nenhum alguém inteiro, parece difícil lidar com gente, nunca sei ao certo o que dizer, nem o que sentir. Se sinto demais, sangro inteiro. Se nada me atrai eu me firo, pareço perdido em tamanho vazio. Não liguei pra ninguém. Nunca ligo. Também não tocou meu telefone, e já me acostumei. Voltei buscando um caminho, olhando os postes e faróis, lumes reluzindo a escuridão da noite, andei à procura de uma sutileza ínfima, talvez uma flor entre as pedras, ou um papel escrito com caneta meio a copos de plástico, mas o sorriso ainda ressoava em mim, inteiro e cálido, confortante e meu, lembrei de uma canção antiga e não olhei para o relógio, devia ser tarde, devia ser cedo, queria um algo, desconhecia alguns passos, eu me encontrava nos vãos. A noite me ditava nada e era tudo o que eu esperava dela, coisa alguma, nenhum acontecimento, nada de extraordinário, tinha brisa e lua e carros e breus e eu começava a gostar do roteiro, o filme terminava com uma canção antiga e alguém sorriu pra mim meio ao clarão dos refletores, Era você, você aí se indagando sobre os modos e os climas da história, mas juro, escrevi somente pra dizer que seu sorriso me ditou tantos caminhos que, sentado na poltrona de uma sala gélida, eu vaguei por muitos mundos, e lhe disse sete vezes que te amava. É sério. Sorri de volta. A música era linda. E eu sabia a letra inteira.

segunda-feira, janeiro 28

Ressonâncias

Não escolha a fonte, não vislumbre frases, escreva o que te vem, como te vêem, assim aos descompassos, fale. Indague um trago mais afoito, alguma imagem mais voraz, uma taça quebrada, algum amor mais torpe, beba. Queira algum presságio, caso ventar, feche os olhos. Se não ventar, invente alguma sensação calidamente fria, feito brisa marítima. Acalente num telefonema algum amigo distante, diga o que quiser dizer, mas com o coração aberto, acessível ao mais sutil afago, acaricie. Logo caminhe pela rua mais inóspita, procure cores, encontre vãos, bata à porta e diga. Entre tantas palavras não me encontro em qualquer sílaba, nenhuma pausa, qualquer sentido que me invada. Olho o mar somente, o mar que guardo cá dentro, o mar distante que em mim habita, feito um órgão pulsante e vital, o mar e as oscilações, e a sua mais sublime força, e o seu ressoar mais lépido. O mar é inteiro e basta-se. É azul quando assim desejar, e verde se quiser em si florestas d’água. Entendem? Não é floresta o que desejo escrever, mas algo aquém do desejo humano, acima dos pormenores que espreitamos sentados na areia, vislumbrando um mar de pensamentos variados e tempestuosos. Seria a brisa o solfejo do mar? Um sussurro mais leve? Um quê de tranqüilidade e satisfação? São tantos corpos, tantas bocas, frases, cheiros e pegadas, o mar é vasto e num instante plenamente habitou-me, ao lado alguém sem nome fuma e viaja solitário, parece estar triste, logo atrás uma mulher morena anota idéias num papel surrado, soa-me ter lacrimejado por uns vãos minutos, ao longe um casal sorridente articula inquietudes, mais distante ainda uma garota pálida apruma o seu vestido bege de leves tecidos, enquanto tira as sandálias e derrama os seus frágeis pés na suave areia, hipnotiza-me, parece um quadro, uma aquarela límpida, perco-me ressabiado entre pensamentos e indagações sobre a garota pálida, provavelmente pensa em alguém que sou eu, leva as mãos ao rosto, claramente deseja um instante de total introspecção, e quem sabe quer apenas um dia corriqueiro, o mais normal dos dias, não pretende-se inteira naquela tarde meio cinza, quer apenas um momento seu, criando em sua coletiva solidão um reconhecimento nosso, meu e dela, não entendo, o telefone toca, o táxi chega, me espera, entro sem saber o que dizer, não digo, ainda avisto o mar pelas janelas embaçadas, pra onde vai, senhor?não ouço.silêncio insípido.atordôo-me.Na terceira tentativa escuto um timbre impaciente, Gávea, por favor, desculpe, Gávea. Não diz mais nada, me calo e grito incessantemente seu nome por dentro, como quem pede o que não há nem houve em momento algum, talvez delírio, talvez. Jamais me escutaria, o carro movimenta-se, não compreendo, pelos vidros do ligeiro automóvel, pelas lentes dos meus óculos-escuros, avisto em mim, cá dentro, a pálida garota e os seus pequenos pés tão sensíveis e tão brancos, ainda vejo-me ao mar, pleno e cada vez mais distante, o táxi acelera num impulso único, mais distante, e mais e mais...

terça-feira, janeiro 22

Pré-história em pós-modernidade

Quando a saudade é um sentir distante, é lá. E faltam-me imagens, gestos afoitos, beijos inesperados, um algo previsível, contato com hora marcada, canções ensaiadas em programações de rádios madrugais, o drinque era sempre o mesmo, um baseado, às vezes, um trecho de qualquer autor contemporâneo, ora Fernanda Young, ora Martha Medeiros, eu ria, não dos trechos, mas de ti, dando a importância suprema para frases reescritas, editadas e feitas exclusivamente para emocionar doces meninas em momentos cruciais, calculados entre pausas, vírgulas estudadíssimas. Gosto das horas vagas, em mesas simples de bares quase-cheios-quase-vazios, da espera boa, dos pensamentos desconexos, e era um sorriso seu que logo alarmava-me a sua presença, chegando sempre quinze minutos antes, por prudência e uma certa educação irritante, coisa de gente que estudou em Londres, o que é o seu caso. Prefiro Nova Iorque pelo o que ela tem de despretensão e liberdade, odeio reis e rainhas e gente de postura irretocável, olhares minuciosos entre um trago e outro, me desculpo culpando o trânsito, fingindo irritação, e logo me aproximo de você, bem de pertinho. Alguém passou vendendo flores, você falara do aroma das rosas e eu nunca soube o que dizer depois, assim como do paladar de tudo, e dos sentidos mais abstratos, mulher dadaísta com fisionomias de impressionismo, eu via Tzara em cada gesto mais voraz, e você articulava sobre Pierre Auguste Renoir e eu bocejava e perguntava sobre o trabalho, falava das minhas destemperanças e xingava uma meia-dúzia de pessoas, você jamais se incomodava, mantinha-se sempre sereníssima, mas no fundo, bem sei, achava-me um anarquistazinho bom de cama, o que, para uma quase-londrina-quase-dadaísta-claramente-impressionista soava de bom grado, um vinho de boa qualidade, uns leves lençóis de seda putíssima, ops, puríssima, eu ria, pedia a conta e partíamos sem rumo enquanto decidíamos em que apartamento continuaríamos nossos pormenores, excitados com a aventura dúbia, pelo que tínhamos de extremidades, pela não linearidade dos casos, e das rotas, e dos ciclos. Eu queria Buarque, você ouvia Nina Simone, um desconcerto de toques, e peles, suores, sussurros, meia-entregas. 8 e 15 em ponto, você se foi e restou-me, claro, os aromas, algum paladar de sua boca, alguma pétala esquecida por entre um livro da Young e você...dadaísta, talvez mal lembra o meu nome e neste momento, meio a redação turbulenta de um jornal classe média, articula uma crônica quase-genial procurando um sentido pra ontem que enfeitará ironicamente uma página inteira do jornal da sexta, mudando os nomes, os perfumes e as flores, talvez orquídeas, quem sabe Kafka? O drinque muda, o bar também. Londres jamais, Leblon ou Botafogo, ainda há de pensar. Eu tomo um banho e corro pro trabalho, trânsito louco, chego atrasado, a secretária sorri ensaiada como em todos os dias, me entrega o jornal, eu dispenso. Abro a agenda, a peço que mande entrar o primeiro cliente, mais um dia de divã e devaneios, e banhos frios e ex-maridos, e paixões tórridas e vãs insanidades, escuto sonolento enquanto olho absurdado o relógio à frente, é hoje...às 8 e 15, sem falta, lá!
.
.
.
Leitores queridos, este espaço fez 1 ano no último dia 20. Não sou muito atento a datas, mas sinto claramente, relendo as minhas publicações, uma intensa maturidade em meus escritos e vivencias poéticas. Agradeço cada carinho, cada mensagem bonita, cada e-mail recebido, cada scrap carinhoso, e a todos que se utilizam de meus devaneios para emoldurarem seus perfis no orkut e seus momentos mais reluzentes. É sempre muito importante para mim saber que as minhas palavras tomam rumos próprios e acariciam rostos, sorrisos e corações neste tempo de superficialidades em que vivemos. Muita inspiração e luz! Beijos e abraços.