terça-feira, janeiro 22

Pré-história em pós-modernidade

Quando a saudade é um sentir distante, é lá. E faltam-me imagens, gestos afoitos, beijos inesperados, um algo previsível, contato com hora marcada, canções ensaiadas em programações de rádios madrugais, o drinque era sempre o mesmo, um baseado, às vezes, um trecho de qualquer autor contemporâneo, ora Fernanda Young, ora Martha Medeiros, eu ria, não dos trechos, mas de ti, dando a importância suprema para frases reescritas, editadas e feitas exclusivamente para emocionar doces meninas em momentos cruciais, calculados entre pausas, vírgulas estudadíssimas. Gosto das horas vagas, em mesas simples de bares quase-cheios-quase-vazios, da espera boa, dos pensamentos desconexos, e era um sorriso seu que logo alarmava-me a sua presença, chegando sempre quinze minutos antes, por prudência e uma certa educação irritante, coisa de gente que estudou em Londres, o que é o seu caso. Prefiro Nova Iorque pelo o que ela tem de despretensão e liberdade, odeio reis e rainhas e gente de postura irretocável, olhares minuciosos entre um trago e outro, me desculpo culpando o trânsito, fingindo irritação, e logo me aproximo de você, bem de pertinho. Alguém passou vendendo flores, você falara do aroma das rosas e eu nunca soube o que dizer depois, assim como do paladar de tudo, e dos sentidos mais abstratos, mulher dadaísta com fisionomias de impressionismo, eu via Tzara em cada gesto mais voraz, e você articulava sobre Pierre Auguste Renoir e eu bocejava e perguntava sobre o trabalho, falava das minhas destemperanças e xingava uma meia-dúzia de pessoas, você jamais se incomodava, mantinha-se sempre sereníssima, mas no fundo, bem sei, achava-me um anarquistazinho bom de cama, o que, para uma quase-londrina-quase-dadaísta-claramente-impressionista soava de bom grado, um vinho de boa qualidade, uns leves lençóis de seda putíssima, ops, puríssima, eu ria, pedia a conta e partíamos sem rumo enquanto decidíamos em que apartamento continuaríamos nossos pormenores, excitados com a aventura dúbia, pelo que tínhamos de extremidades, pela não linearidade dos casos, e das rotas, e dos ciclos. Eu queria Buarque, você ouvia Nina Simone, um desconcerto de toques, e peles, suores, sussurros, meia-entregas. 8 e 15 em ponto, você se foi e restou-me, claro, os aromas, algum paladar de sua boca, alguma pétala esquecida por entre um livro da Young e você...dadaísta, talvez mal lembra o meu nome e neste momento, meio a redação turbulenta de um jornal classe média, articula uma crônica quase-genial procurando um sentido pra ontem que enfeitará ironicamente uma página inteira do jornal da sexta, mudando os nomes, os perfumes e as flores, talvez orquídeas, quem sabe Kafka? O drinque muda, o bar também. Londres jamais, Leblon ou Botafogo, ainda há de pensar. Eu tomo um banho e corro pro trabalho, trânsito louco, chego atrasado, a secretária sorri ensaiada como em todos os dias, me entrega o jornal, eu dispenso. Abro a agenda, a peço que mande entrar o primeiro cliente, mais um dia de divã e devaneios, e banhos frios e ex-maridos, e paixões tórridas e vãs insanidades, escuto sonolento enquanto olho absurdado o relógio à frente, é hoje...às 8 e 15, sem falta, lá!
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Leitores queridos, este espaço fez 1 ano no último dia 20. Não sou muito atento a datas, mas sinto claramente, relendo as minhas publicações, uma intensa maturidade em meus escritos e vivencias poéticas. Agradeço cada carinho, cada mensagem bonita, cada e-mail recebido, cada scrap carinhoso, e a todos que se utilizam de meus devaneios para emoldurarem seus perfis no orkut e seus momentos mais reluzentes. É sempre muito importante para mim saber que as minhas palavras tomam rumos próprios e acariciam rostos, sorrisos e corações neste tempo de superficialidades em que vivemos. Muita inspiração e luz! Beijos e abraços.

10 comentários:

Anônimo disse...

Parabéns....pelo blog
....... e pelo texto.

Quero um homem e um psicólogo como o do texto.

beijos

Anônimo disse...

Genial, como sempre.

Cá estou, agora também.

http://mundoqualquer.blogspot.com

Ainda publicando os do blog antigo, em pouco recomeço com uns novos.

Abração, té mais.

Darlan disse...

Esse texto soou para mim bem mais leves que oa anteriores, porém tão lindo quanto.

"anarquistazinho bom de cama, o que, para uma quase-londrina-quase-dadaísta-claramente-impressionista"

Ah, como eu ri disso. haha
Você é ótimo!

Anônimo disse...

Denso, porém de relevo suave e bom de ler... Gostei tantão!
...
Parabéns pelo blog,,, estamos quase na mesma data e espero que tu tenha a força e o tempo necessário pra não abandonar a blogosfera, dada a necessidade que implantaste em os leitores, rs
Parabéns!

Lembrando que vou te reproduzir por lá,,, minha maneira de comemorar, rs

Abraços e comemoradas invenções!

Anônimo disse...

vim agradecer a visita.
e adorei os teus textos.
volto mais vezes.

Anônimo disse...

MARAVILHOSO!!

A Autora disse...

vc anda mesmo inspirado rapaz....adoreiiiiiiii
é muito fácil imaginar teus ditos..eles sa tao ricos em detalhes e emoção honesta...que fica inevitável a sensaçao de estar ali dentro de cada letra..vivenciando de acrdo com as próprias conjudaçoes..
seu blog é especial
parabéns e vida longa este espaço
beijos
Carol

Anônimo disse...

Inclusa no mar de devaneios, como creio que estão os poetas, veio cá aplaudir tua arte. A arte de ser louco, de ser são, de ser vc tanto quanto sou eu.
E uma salva de palmas p'ra vc! Uma selva de pedra. E uma selva...

escreva-me, se quiser, e vamos divagar devagar pela terra do nunca, do sempre, até o dia em que acabar a gravidade e propagarmos nosso som no vácuo...

eu-protesto@hotmail.com ou
gataselvagem171@hotmail.com (no entanto, a gata nao é tão selvagem assim...)

Sonya disse...

Clovis
visita
vim te procurar no Twitter antes
agora estou no teu blog
retomando a vida retomando a fala
vivo por um triz em Floripa
saudade pipa avoa leve no céu
meu @ deve ser que não te chegou
nossos textos sonhos inacabados
nos esperam ao som do Om
meu @ o mesmo: soprazeres@terra.com.br
ou sonya.prazeres@gmail.com
bj
SOdade

Sonya disse...

CLOVIS
cai na tua pagina sem querer,
talvez uma sincronicidade
dizendo pra eu não te esquecer...
mas, se eu entendi,
se é q se entende,
o teu silêncio tem muito a me dizer
ele supõe q sabe a verdade...

ok, aceito
apesar de achar que as pessoas
têm sempre direito a um olho no olho
e uma confirmação...

ainda mais quando já comungamos estrelas...

um beijo
com meu carinho
Sonya