terça-feira, dezembro 25

Rio, Dezembro.Qualquer dia, qualquer hora.

Parece outubro, e os dias vão aos poucos desfazendo-se em meus desalinhos, uso um moletom vermelho pra ver se impero uma nuance a mais no ambiente, e fico rindo bobo-bobo destas minhas aventuras. Seu disco da Rosa Passos toca incessantemente aqui em casa, "jurei te pertencer por toda a vida, guardar a sete chaves o nosso amor, a chave era só uma e foi perdida...", e eu me recordo das palavras todas, entre uma canção e outra escuto atento o silêncio voraz pra ver se entre as minúcias mais ínfimas ainda restam ressonâncias da sua voz em mim, bobagem não é? Mas é que te quero tanto bem, e fico vislumbrando fatos, revendo fotos, relendo cartas, corrigindo versos mais densos por outros mais lineares, é um contato pleno que me acaricia levemente, e eu me deixo ir sem rumo neste caminho que não é caminho, neste caminho que é somente vão. Quero saber se está dormindo bem, se tem alimentado a Poly, se comprou um quadro novo, fico pensando nos horários e nas viagens e quase esqueço-me da água que esquentei para o meu chá, penso que chá com biscoitos é o que há de mais reluzente no que diz respeito a solidão, e eu ando tão sozinho, confesso. Nem telefonemas, nem ombro de amigos, nem. Somos maduros demais para pedir a mão alheia, e no final das contas todo mundo tem de pensar no aluguel e no preço da gasolina, então me calo e vou levando sem sentido as minhas reentrâncias, vendo uns filmes que deixara pra depois, relendo Clarice, chorando e sorrindo em espasmos de tempestades, gosto do barulho d’água e da claridade dos trovões, me absurdo com a força que isto impõe, olho ressabido pelas frestas, tenho ganhado tempo com estas pequenezas, e já fico me indagando se ‘ganhado’ é correto ou proibido numa carta escrita assim a esmo, para você ler desatenta enquanto pinta as unhas (risos), decido deixar como veio, não quero emoldurar de beleza rara um desabafo cinza e prometo não me estender muito, escrevo só pra dizer que ainda estou aqui, na Rua Santo Assis nº 08, o quarto está uma bagunça, tem roupas por todos os cantos e uma toalha de rosto enfeita cinicamente a cabeceira, uns copos perdidos, uns livros abertos pela cama, tenho lido trechos desconexos, formulando histórias naquelas imagens opacas que surgem em trechos sorvidos livremente, ah, também cortei os cabelos, e não faço a barba faz uns três dias, por pura preguiça mesmo, comprei novas sandálias de borracha, me senti perdidíssimo tendo que fazer sozinho as compras do mês, acredita que eu não fazia a menor idéia da marca do feijão que usávamos aqui em casa? Pedi ajuda a uma senhorinha e acatei o seu conselho, mas nem liguei o fogo ainda, só sei fazer café e chá, ontem comi cachorro-quente, sujei minha blusa inteira, hoje pode ser que eu saia para caminhar na praia, gosto de olhar atentamente o mar e perder-me em sua infinitude encantada, na volta talvez ligue a tv, e fique alternando os canais enquanto articulo idéias rasas até pegar no sono. Ficou um tanto grande a carta, e meio chata também não é? Desabafos são sempre ocos. Não sei se lhe envio por e-mail ou se imprimo e mando selar, acho que deve ser mais valioso ler algo em mãos, sentir a matéria viva, os sentidos pulsando. No fundo eu nem sei bem se devo te enviar, sei lá...to achando tudo isso tão ruim, e meio triste também mas não quero deste modo, to numa boa, juro, tenho descoberto peculiaridades preciosíssimas em mim, ontem mesmo me descobri um ótimo regador de plantas, agora rego as plantas pela manhã e leio o jornal bocejando sem você pra rir de minhas fisionomias, o caderno da tv fica esquecido pela mesa, parece sentir falta dos seus murmúrios sobre o novo namorado da fulana, olho pra ele e quase leio as notas moriBundas, mas me resumo à economia que já é por demais complexa e vasta. Já escrevi pra caralho, eu sei, mas é que tenho estado tanto em silêncio que quando falo/escrevo sinto esta urgência de enumerar todos os fatos, um por um. O disco da Rosa ainda toca ao fundo e eu vou ficando por aqui, preciso de um banho quente e de um vinho branco, mas por hoje só me resta o chá mate e as bolachas recheadas.

Te deixo um sorriso claro e o meu amor confuso.
Seu âmago,
C.

15 comentários:

Anônimo disse...

Absolutamente sem comentários...

;)

Darlan disse...

Ah rapaz... suas palavras carregam tamanha intensidade que me deixam perplexo, e assim não há comentários a se fazer. Ao ler o texto, lembrei de Os Barcos, da Legião Urbana. Sei lá porque, mas lembrei-me da música. Linda carta. Intensa.

Abraços!

Marcela Bertoletti disse...

Linda carta!
Espero realmente que vc tenha enviado, oq ela tenha lido! Lindo!

Adorei o blog

Beijo

Marcela

Anônimo disse...

Chá amargo e bolachas craqueadas, quebradas em palavras rápidas e ofegantes de uma carta sem fôlego... Respirei tua ânsia,,, e também fiquei sem palavras...

Abraços e transpiradas invenções!

Lais Mouriê disse...

Que linda essa crônica poética, Clóvis! Parabéns

Bjos

Samantha Abreu disse...

ah! esse texto!
lindo... lindo...

saudade de te ler assim, com essa coisa de fundo íntimo-pessoal que você deixa escondido-exposto.
Muito bom!

beijos!

Anônimo disse...

Gostei muito desse post e seu blog é muito interessante, vou passar por aqui sempre =) Depois dá uma passada lá no meu site, que é sobre o CresceNet, espero que goste. O endereço dele é http://www.provedorcrescenet.com . Um abraço.

Anônimo disse...

hum gostei muito,
vc escreve bem e eu amo ler
bjos

Denynha disse...

Nossa....... fenomenal!!!
estou precisando me inspirar pra escrever uma carta assim...

ainda bem q estes sentimentos, se nao passam, mudam...

Gabriel M. Falcão disse...

Genial.

Sem mais.

A Autora disse...

Puxa...
um dos seus textos mais lindos....
reler Clarice é sempre bom. "caminho que não é caminho...é vão..."também faz parte da caminhada .....vc tem um jeito de dizer que eu adoro...é honesto..nu e ao mesmo tempo coberto de suas peculiaridades mesmo...continue eregando as plantas...elas sao boas amigas e passa láno céu para conhecer minha cara de belda meio no caminho e meio no vão...rs...beijosssss
Carol Montone

Pedro Pan disse...

, estes monólogos que querem ser diálogos... que precisam dialogar com a outra parte...
, abraços meus e feliz 2008!

Anônimo disse...

Oi, é engraçado como no vazio da noite a gente pode ir encontrando coisas tão interessantes que sem perceber a noite passa a ser tomada por tanta graciosidade.
Adorei a carta, vc descreveu tudo o que vivi, todos os desejos, as sensações que eu tive. a medida que fui lendo fui me emocionando.
Parabéns,

beijos.

p.s: agora que achei o seu blog não vou largar mais.

A Autora disse...

só saudades mesmo...
ainda aguardando resposta...
eu já desisti.....de algumas esperas e entendimentos...apenas vivo intensamente o quanto posso
beijos grandes
apareça
Carol Montone

Gabriel M. Falcão disse...

Grande Clóvis! Enfim, me juntei aos blogspoteiros desse mundo.